As fronteiras do Rio Grande do Sul com Argentina e Uruguai foram alvo de especial atenção dos órgãos da repressão. As cidades da fronteira eram consideradas “Área de Interesse da Segurança Nacional”, o que implicava ainda maior redução da vida democrática, trocada pelo combate ao “inimigo interno”. A importância estratégica para os militares estava em ser uma fonte potencial e real de “pressão interna”, ou seja, de formas de resistência ao terrorismo de Estado imposto pela Ditadura. Verificaram-se diversos “esquemas de fronteiras” para retirar pessoas perseguidas do Brasil; organização de mecanismos para comunicação com os exilados no Argentina e Uruguai; formas de denúncia aos outros países da repressão imposta pelo Estado brasileiro aos seus cidadãos; assim como planejamento de ações dentro da estratégia da luta armada.
A seguir iremos trazer um breve relato de um personagem que viveu esse período, atuando na organização de redes de solidariedade. Apresentamos um trecho da entrevista de Jair Krischke, visto relatar um pouco da dinâmica dos “esquemas de fronteiras”. É uma das tantas partes que poderíamos trazer, que servem para a compreensão (inclusive emocional) do período. Além disso, buscamos indicar o trabalho – sensível e fundamental – de entrevistas contidas na obra Memórias da Resistência e da Solidariedade: O Movimento de Justiça e Direito Humanos contra as ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. (PADRÓS, E., VIVAR, J. Porto Alegre: 2013)
P: Jair, comentaste a pouco. Antes da existência do Movimento [de Justiça e Direitos Humanos], vocês já estavam ajudando cidadãos dos países vizinhos. Como surge a ligação desse coletivo com os uruguaios, argentinos, e outros países? Como se forma essa rede? Quais são os caminhos que levam a essa possibilidade?
R: A vida, a vida. Não é muito de caso pensado, mas é a necessidade de se fazer. Com o relacionamento com pessoas que vivem na fronteira… Geralmente, quem vive na fronteira conhece alguém do outro lado, isto é fatal. Alguns, de repente, tiveram que viver do outro lado. Então essas amizades vão abrindo caminhos. No caso uruguaio, caminhos que podem começar por Rivera, e se vão a Montevideo. O mesmo acontece em relação à Argentina. Esses caminhos foram sendo construídos: – Me dá uma mão, me ajuda -. E muito o Uruguai porque a primeira massa de refugiados foi para este país. Muitos velhos amigos para lá se foram, e também abriram um espaço de trabalho, criando relações com partidos políticos. Naquele momento, as organizações de vdireitos humanos não existiam, mas foram se criando relações com partidos políticos.
No nosso caso, especialmente com o Partido Socialista, criando vínculos. Porque os brasileiros estavam e se relacionavam lá, e nós nos relacionávamos com aqueles brasileiros que lá estavam. Esta coisa de fronteira, também, porque era preciso se formar esse caminho. Então isto nasce de uma forma muito não pensada, mas premidos pela necessidade. Havia necessidade de, vamos criando esses caminhos. Porque depois passou a fluir fortemente. Quando as coisas começam a ficar complicadas no Uruguai, o caminho se inverte. Novamente, aqueles companheiros que nos ajudaram em determinado momento, passam a necessitar de ajuda. É muito interessante, porque nós vivemos, não nos detemos muito a pensar realmente em como é que é isso que vamos fazer. Não. É a necessidade, a vida. Coloquei a importância de setores da igreja brasileira na formação de nosso grupo, no apoio recebido, e o Uruguai é um país bem leigo, classicamente leigo. A Igreja Católica uruguaia é muito pequena, e de pouca expressão política. Não é como no Brasil: naquela época, costumávamos dizer que a CNBB era o maior partido de oposição que havia no Brasil. Lá no Uruguai, não tinha nada que ver com isso. Mas alguns padres uruguaios foram aqueles que estabeleceram um excelente caminho, que nós montamos para os uruguaios saírem do país. Com o Chile foi algo parecido, os jesuítas do Chile. Quando foi necessário que os chilenos saíssem, foram eles que azeitaram o caminho, que criaram a trilha. Foram os jesuítas, de novo, que fizeram esse trabalho. Também havia um contato muito fluido com o Chile. Não é a toa que, quando do golpe do Chile, havia mais de cinco mil brasileiros neste local. Inclusive um primo-irmão meu lá estava, que criou e dirigia a Associação dos Refugiados Políticos do Brasil no Chile. Então, havia certa fluidez com o Chile. Mas tudo isso muito filho da necessidade. Não uma coisa projetada, pensada: – Agora, temos que tirar pessoas, como vamos fazer? -. Não, temos que tirar ontem, e temos que tirar. Então, vai se criando, a dor ensina a gemer.
Confira esta entrevista na íntegra, além de outras em: http://pt.scribd.com/doc/155824053/Livro-completo-com-capas-para-a-Comissao-Anistia
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