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Há 50 anos do golpe: tempo de reflexões, produção intelectual e debates políticos.

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Tomando emprestada a categoria de Eric Hobsbawm, ainda que esta tenha sido forjada para falar do século XX, podemos afirmar que o blog Resistência em Arquivo nasceu de “tempos interessantes”: ele foi fruto do contexto que marcou os 50 anos do golpe civil militar de 1964 no Brasil, nasceu das inquietações que acompanharam historiadores, arquivistas, cientistas sociais, políticos, estudantes e diversos setores da sociedade que buscaram problematizar o evento histórico em seu tempo, assim como as marcas por ele deixadas, e o necessário aprofundamento da investigação científica em torno da questão.

Nosso blog, um dos eixos do Projeto Resistência em Arquivo, surgiu para difundir o tema e contribuir com a discussão, ao lado da construção do catálogo seletivo e da oficina que dão acesso e difundem o acervo da Comissão Especial de Indenização aos ex-presos político no Rio Grande do Sul, salvaguardado pelo APERS. O blog é contemporâneo aos trabalhos das Comissões Estadual e Nacional da Verdade, que já foram tema de postagens aqui, assim como de múltiplos eventos organizados ao longo desse ano, com diversos enfoques. Universidades, instituições de memória, escolas, comissões estatais, comitês da sociedade civil, todos envolvidos em promover reflexões sobre o golpe de 1964 e seus desdobramentos, sobre a atuação dos militares e a participação civil, sobre a Lei de Anistia, sua atualidade, interpretações e os entraves que causa à justiça, sobre mortos, desaparecidos e a luta de seus familiares por memória, verdade e justiça, sobre o ensino a cerca desse processo, sobre o uso de testemunhos, os impactos psicológicos do golpe, da tortura e da política do medo instaurada pelo regime, que atingem tanto indivíduos quanto a sociedade como um todo, sobre a resistência à ditadura e a luta por democracia e direitos humanos, e sobre a história dos 21 anos de ditadura no Brasil. Ao longo do Projeto tentamos refletir tudo isso aqui, ainda que de forma modesta.

E por que retomar isso agora? Bem, 2014 aproxima-se do fim marcado por embates políticos, numa situação polarizada em que conceitos como ditadura e democracia estão na ordem do dia. Essa polarização se expressa nas ruas com “cartazes” que pedem, por um lado, punição aos torturadores da ditadura, justiça para o ontem e o hoje, mais direitos e aprofundamento dos mecanismos de participação popular; por outro, a manutenção do status quo e de uma organização social embasada em privilégios e na meritocracia, que se exacerba com setores minoritários que chegam a pedir por “intervenção militar”.

Podemos afirmar que um dos fatores que contribuiu para que tais embates tenham se evidenciado foi o enfrentamento feito em prol de memória e verdade no último período. Acreditamos, entretanto, que em um contexto como esse se torna mais e mais necessário o estudo e o amplo acesso a informações sobre os 21 anos de ditadura, para que a sociedade possa negar o caminho autoritário e reacionário como uma via para dar respostas à pobreza, à precariedade de alguns serviços públicos ou à corrupção. É preciso que debates como os que foram travados ao longo de todo o ano de 2014, em função dos 50 anos do golpe, prossigam e alcancem setores mais amplos, contribuindo para desmontar argumentos como “no tempo da ditadura não havia roubalheira”, ou “naquela época não havia insegurança nas ruas”. Será que não havia corrupção, ou o sistema autoritário e censor garantia que os casos não fossem descobertos? Até que ponto a sensação de segurança era real, ou estava diretamente relacionada a ausência de liberdade e ao medo velado? Com que preço nós ou a geração de nossos pais pagou por essa “segurança”?

Nesse sentido, divulgamos o dossiê 50 anos do golpe de 1964, elaborado pelo historiador Demian Bezerra de Melo e disponibilizado através do blog marxismo21, em uma tentativa de mostrar a diversidade de produções nessa área e de incentivar que as reflexões e os debates sigam para muito além desse ano que marcou o 50º aniversário do golpe, ou em que as Comissões da Verdade entregarão seus relatórios finais. A compilação expressa no dossiê traz o link para uma infinidade de “trabalhos acadêmicos, artigos, uma lista de filmes e vídeos, portais, dicas de eventos acadêmicos, exposições e outros materiais importantes para um aprofundamento da reflexão crítica sobre os 50 anos do golpe de 1964.” Abrindo espaço para polêmicas historiográficas e registrando contribuições clássicas e recentes, certamente é um excelente “pontapé inicial” para todas e todos que desejaram entrar em contato com a efusiva produção do último período acerca do golpe e da ditadura de 1964. Boa leitura!

Justiça de Transição e Direito à Memória – Identificação e Ressignificação dos Espaços de Tortura e Resistência

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Com essa postagem, encerramos uma série de conteúdos construídos pela equipe do Blog acerca de assuntos que envolvem a nossa Tardia e Incompleta Justiça de Transição. Nesse post, compartilharemos reflexões acerca de um dos pontos específicos que caracterizam uma Justiça de Transição. Vamos falar a respeito da identificação e da ressignificação de espaços ocupados pela repressão e pela resistência durante o período da Ditadura Civil-militar. Para isso, vamos tomar como ponto de partida um texto escrito por Christine Rondon Teixeira, coordenadora do Comitê Carlos de Ré da Verdade e da Justiça.

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Segundo a autora, Justiça de Transição, na compreensão da ONU, seria “um conjunto de abordagens, mecanismos e estratégias, jurídicas e não jurídicas, destinadas a enfrentar o legado de violência dos regimes autoritários”. Guiada pelas diretrizes direito à memória, à verdade e à justiça, estruturar-se-ia em quatro pilares: a responsabilização dos agentes públicos que cometeram crimes de lesa-humanidade; a reforma das instituições que colaboraram com as violações de direitos no regime e a garantia do direito à memória e à verdade.

Nesse caso, a identificação e a publicização de espaços onde houve tortura e resistência responderiam estrategicamente ao direito à memória. Christine adverte que o “exercício da memória auxilia na luta pela superação das violências que atravessaram o marco democrático” na transição para a democracia e por isso mesmo também é tratado como objeto de disputa social por diferentes setores da sociedade. Nesse caminho, experiências levadas a cabo, demonstrariam que o georreferenciamento seria capaz de “despertar a curiosidade e a consciência das pessoas para a concretude do nosso passado autoritário e de seus efeitos presentes” e que a construção de memoriais em locais nos quais ocorreram violações dos Direitos Humanos auxiliariam na construção de uma memória coletiva acerca do período bem como de uma cultura política.

Cabe lembrar que também o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH3) definiu como objetivo, para aquilo que confere ao direito à memória, a identificação e a publicização das estruturas utilizadas para a prática de violação de Direitos Humanos, reconhecendo, com isso, uma intensa relação entre memória e representações espaciais. Segundo Rondon, “nós, brasileiros não temos ideia do exato funcionamento ou mesmo da simples localização dos aparelhos repressores do Estado” e dessa forma, a identificação dos espaços físicos possui importante papel no resgate de acontecimentos vividos naquele contexto ditatorial.

DopinhaE apesar de ser responsabilidade da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da presidência da República, da Casa Civil da presidência da República, do Ministério da Justiça e da Secretaria de relações institucionais da República, em Porto Alegre, a identificação de um dos espaços nos quais ocorreu graves violações dos Diritos Humanos no período da ditadura, foi identificado, por meio da organização de diversos atos públicos, pelo Comitê Carlos de Rê. Estamos nos referindo a antiga sede do Dopinha, localizado na Rua Santo Antônio no Bairro Bonfim, onde funcionou uma estrutura clandestina do DOPS.

Segundo Christine, local de memória por excelência, assim como tantos outros espalhados pelo Brasil, esse foi um espaço comprovadamente de tortura e morte. Conhecido como Casarão da Santo Antônio e como local de tortura e da morte do Sargento Raimundo Soares (o “Caso das Mãos Amarradas”), hoje faz parte de um projeto, em parceria com a Prefeitura de Porto Alegre e com o Estado do Rio Grande do Sul, de construção do Memorial Ico Lisboa.Dopinha 3

A ideia é construção de um centro de memória que ressignifique o espaço, que auxilie na construção da memória e da história desse período e que preste, ao mesmo tempo, homenagem a Luiz Eurico Tejera Lisboa, primeiro desaparecido político cujo corpo foi encontrado.

Dopinha 2Coube à equipe do Blog, com esse exemplo, levantar a pauta da identificação e da ressignificação desses espaços em nosso estado. Indicamos, por fim, a leitura completa do artigo de Christine Rondon Teixeira, que abordou além dos aspectos resenhados acima, tantos outros elementos que nos auxiliam a entender “potencial benefício da utilização destes espaços para a conscientização da sociedade” na permanente construção da democracia e no encerramento, por completo, daquele período ditatorial.

Em tempo, ainda indicamos a leitura da entrevista que a autora concedeu ao Portal de Notícias Sul 21 – Memorial Ico Lisbôa ajudará a eliminar restolho da ditadura, diz Christine Rondon.

Espaços de Memória na América Latina

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Compartilhamos, além de reflexões acerca do papel que a identificação e a ressignificação de espaços nos quais ocorreram violações dos Direitos Humanos desempenham na construção da democracia, o Projeto construído na cidade de Porto Alegre que prevê a construção do Memorial Ico Lisboa. Por enquanto, esse lugar de memória, além de residir em algumas memórias, encontra-se nas páginas de projeto que aguarda ser executado – todos torcemos para que seja em breve!!!!

Achamos importante, no entanto, compartilhar projetos que já foram executados em outros lugares, para que vocês visualizem aquilo que chamamos de ressignificação de espaços. Para tanto, selecionamos três pequenos vídeos que nos apresentam três espaços importantíssimos de memória por excelência, para utilizar uma expressão cunhada pelos setores que se mobilizam em torno dessa pauta. O primeiro é o Memorial da Resistência de São Paulo, o segundo é o Archivo Provincial de la Memoria de Cordoba e o terceiro é o Museo de la Memoria e de los Derechos Humanos.

O Memorial da Resistência de São paulo fica localizado no prédio da Pinacoteca na cidade de São Paulo. Trata-se de um museu histórico instalado no prédio do antigo Deops/SP, dedicado à pesquisa e salvaguarda das memórias de repressão e resistência do Brasil.

O Archivo Provincial de la memoria de Cordoba fica localizado na cidade de Córdoba na Argentina e ocupa o espaço onde funcionou o Departamento de Inteligência da Polícia da Província de Córdoba e um centro clandestino de detenção durante a ditadura-civil militar argentina.

O Museo de la Memoria e de los Derechos Humanos fica localizado na capital do Chile, cidade de Santiago, é um espaço destinado à visibilização das violações dos Direitos Humanos cometidas pelo Estado do Chile entre os anos de 1973 e 1990 e ao estimulo de reflexões e debates acerca do período e da imporância do respeito e da tolerância para que tais fatos nunca mais aconteçam.

APERS participa do XII Encontro Estadual de História ANPUH/RS

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Na última semana, entre os dias 11 e 14 de agosto, aconteceu o XII Encontro Estadual de História ANPUH/RS: História, Verdade e Ética; onde foram exibidos pôsteres referentes às oficinas do Programa de Educação Patrimonial do Arquivo Público do RS (APERS) em parceria com a Universidade Federal do RS (UFRGS).

A participação do APERS ocorreu no dia 12, na sessão de “Extensão”, onde os estagiários Gabriel Chaves Amorim e Guilherme Tortelli apresentaram o trabalho intitulado História, memória e verdade: reflexão sobre desafios éticos a partir da aplicação da oficina “Resistência em Arquivo: Patrimônio, Ditadura e Direitos Humanos”; já o bolsista Gustavo Mor Malossi e o estagiário Eduardo Hass da Silva expuseram o trabalho denominado Patrimônio, Escravidão e Ensino: abordagens e desafios éticos no ensino sobre escravidão no Rio Grande do Sul a partir da oficina “Os Tesouros da Família Arquivo”. Ambos trabalhos tiveram a orientação da servidora Clarissa Sommer Alves.

Participar do evento permitiu a troca de experiências com pesquisadores de diferentes partes do Estado, dando subsídios teóricos e metodológicos para continuar desenvolvendo e aprimorando as atividades desenvolvidas no Programa de Educação Patrimonial, bem como possibilitou a divulgação das atividades, criando novas possibilidades de pesquisa e problematização.

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Relatos dos horrores.

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Depoimento de Frei Tito.

Depoimento de Frei Tito.

O “Relato de uma tortura” é um documentário, rodado no Chile, que mostra o Grupo de presos políticos brasileiros libertados com o sequestro do embaixador suiço Giovanni Bucher. São os exilados que sobreviveram a tortura cometida pela Estado durante a ditadura militar no Brasil, instituída em 1964.

Mulher conta os horrores vividos na tortura.

Mulher conta os horrores vividos na tortura.

O vídeo que intercala diálogos em espanhol, portunhol e português, mostrando o diálogo dos repórteres estrangeiros com os brasileiros. Traz ainda relatos de situações inusitadas como uma cena em que algumas pessoas foram imobilizadas nuas com um jacaré andando por seus corpos. Outro ponto é que as pessoas que tinham marido/esposa ou filhos pequenos, eram torturados na presença dos familiares para que delatasse os seus companheiros.

Em 1979, todos foram anistiados (inclusive torturadores). O filme tem fama de ser impactante e forte, pois resgata as histórias e memórias de um período de sombras do País.

Circuito Universitário de Cinema

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Acontece agora nos meses de agosto e setembro a primeira edição do Circuito Universitário de Cinema. O Circuito Universitário de Cinema é um projeto realizado pela Meios de produção e Comunicação (MPC) em parceria com a BR Petrobras, e com apoio da Mostra Cinema pela Verdade e do Ministério da Justiça que poderam ter adesão das instituições de ensino.A temática da mostra será sobre filmes que retratem o período da Ditadura Civil-Militar no Brasil e suas consequências, assim como na América Latina.

Os três filmes escolhidos para exibição e debate serão: “SETENTA – Documentário”; “Duas histórias” e também “500 – O bebês roubados pela Ditadura Argentina”.

SETENTA – Trailer Oficial – Documentário

SINOPSE: No dia 7 de dezembro de 1970, grupos de combate à ditadura capturam o embaixador suíço no Brasil. Começava o mais longo sequestro político da história do país. Giovanni Enrico Bucher ficou quarenta dias no cativeiro. Os sequestradores queriam a liberdade de setenta presos políticos. Conseguiram.

Os setenta saíram da prisão e foram expulsos do Brasil por decreto presidencial.
No dia 14 de janeiro de 1971, foram embarcados num avião para o Chile. Dois dias depois, o embaixador foi libertado.O filme SETENTA reencontra 18 personagens desta história, mais de quarenta anos depois.Quem são eles? O que pensam? Como conduzem as suas vidas? O que mudou? O que ficou dos ideais e dos sonhos da juventude? Quem eram eles aos vinte anos? O que pensavam? O que esperavam do futuro?

Duas Histórias
SINOPSE: Tendo como linha condutora a trajetória de dois militantes socialistas na luta contra a ditadura militar brasileira. O filme narra duas experiências diferentes, pois diferentes eram as concepções políticas que orientavam a resistência à ditadura. Mas, são iguais na coragem, na dor, na sobrevivência e superação. Uma mulher e seu filho. Um homem. Diversas estradas, chegadas, partidas, fugas, fatos e encontros inesperados. Brasil, Argentina, Chile, outros exílios e finalmente a vitória e a alegria do retorno ao Brasil. Para recomeçar.

500 – O bebês roubados pela Ditadura Argentina

Sinopse: Entre 1976 e 1983, a Argentina viveu sombrios anos de ditadura militar. Neste período, famílias inteiras foram despedaçadas pela repressão clandestina empreendida por um estado terrorista que ceifou a vida de cerca de 30 mil argentinos. Dentre as práticas mais aterradoras deste regime estava o sequestro sistemático de bebês e crianças, filhos de presos e desaparecidos políticos, que eram apropriados por seus algozes com espólio de guerra. A partir da iniciativa das Avós da Praça de Maio criou-se o “Banco dos 500”, com amostras de seu próprio sangue, o que possibilitou a descoberta de 110 das 500 crianças sequestradas. Reunidos às suas famílias reais e às suas verdadeiras identidades, os jovens nascidos nas maternidades dos campos da morte, juntamente com as Avós da Praça de Maio confrontam, em 2011, perante o Tribunal de Buenos Aires, os dignitários da mais sangrenta ditadura Argentina, acusados de genocídio e crimes contra a Humanidade: um caso histórico, único e universal. O documentário “500 – Os bebês roubados pela Ditadura Argentina” narra esta incansável luta das avós e seus netos que continua, diariamente, até que o último dos “500” seja encontrado.

Evento Clínica do Testemunho Refúgio e Exílio – Sofrimento da identidade no encontro com a diferença cultural

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Aproveitamos o tema das postagens do mês de junho do Blog Resistência – A Ditadura e o mundo dos Exílios – para divulgar mais um evento da Clínica do Testemunho, grande parceira do APERS na realização de debates sobre a temática.30.06.2014 Evento Clinica do testemunho

Exílio e Ditaduras no Cone Sul

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Podemos aprender muito sobre a história de nossa sociedade ao observar nosso presente. Afinal, tudo que existe tem uma história, tudo passou por um processo de transformação até se tornar o que é no presente. Observando nosso cotidiano iremos perceber que, muitas vezes, não vivemos como gostaríamos. Inúmeras limitações são impostas às nossas potencialidades e vontades por determinadas estruturas sociais (economia, política, cultura, etc.). Da mesma forma ocorreu com as pessoas que viveram antes de nós. Assim, devemos tentar compreender a história como a relação entre os indivíduos e as estruturas que os limitam.

Hoje, refletiremos sobre experiências de pessoas que viveram intensamente as disputas existentes no Brasil no incício da década de 60, que culminaram com o Golpe Civil-Militar de 1º de Abril de 1964. As vidas desses homens e mulheres foram alteradas completamente pelo enfrentamento que apresentaram frente ao regime que se instalava, de caráter profundamente repressivo e anti-democrático desde os seus primeiros momentos. Praticamente todos que se dispuseram a combater essas arbitrariedades foram atingidos pela violência, que ocorria sob diversas formas. Muitos viram-se obrigados a fugir do país, a exilar-se, para garantir sua sobrevivência física. É claro que nem todos que se opunham ao regime tiveram tempo ou condições financeiras para isso. Estes tentaram sumir em seu próprio país, através da clandestinidade, e a maioria caiu sob as garras do terror implementado pelo Estado brasileiro. Nesse post iremos nos focar nas experiências de exílio, utilizando alguns elementos apresentados por Grunberg.

Comecemos com a história de um gaúcho de Pelotas, que muito novo passou a defender princípios democráticos, quando ajudara a organizar uma associação de bairro ou quando fora eleito presidente do grêmio estudantil de sua escola. Jadir Schwans Bandeira fora taxado de comunista por sua postura, o que significava uma postura negativa, num contexto em que, como já vimos, se criara uma aversão a essa posição ideológica. Jadir defendeu a legalidade e o governo Goulart contra o Golpe, apesar de não ter participação orgânica em nenhuma organização política. Esteve preso duas vezes, acusado de ser um agitador. Em 1966 resolve fugir para o Uruguai, Brizola no exílio, no Uruguaionde já se encontravam Goulart e Brizola, além de tantos outros militantes. Pode ser considerado parte de uma minoria, por não ter uma organização que lhe auxiliasse, nem significativos recursos financeiros, o que aumentava suas dificuldades. A trajetória de Jadir no exílio é influênciada pelo avanço de outros golpes militares nos países do Cone Sul, que o perseguiram. Assim, se vê obrigado a abandonar o Uruguai em 1973, quando lá se instala uma ditadura militar. Segue para a Argentina, permanecendo apenas até 1976, quando aquele também país passa ao tacão militar. A alternativa encontrada foi a fuga para a Europa. Com a ajuda da embaixada sueca, consegue embarcar num avião que o levou a esse desconhecido e longínquo país europeu. Nunca mais retornaria à América. Com seus atuais 70 anos, afirma que não pretende voltar ao Brasil, pois “seria como abrir uma ferida outra vez”, conforme declarou para reportagem da BBC Brasil. Assim como em Jair, em tantos outros brasileiros (massacrados por defender o sonho de viver em um país mais justo e igualitário) as feridas ainda existem. Porém, essas são feridas que marcam toda nossa sociedade, que permanecerão enquanto não forem devidamente saneadas. Crescemos como indivíduos e como sociedade no enfrentamento dessas questões, que não podem ser e não são esquecidas.

Jair faz parte da primeira geração afetada pelas perseguições da Ditadura militar. Esses foram os primeiros a se verem obrigados a sair do país para garantir sua vida e poder manter algum tipo de atuação política. Eram integrantes do governo, defensores de um projeto reformista de transformação social, inúmeros militares contrários à ditadura, históricos líderes da esquerda (sobretudo comunistas). Essa primeira etapa de perseguição política fora nomeada de “Operação Limpeza”, por limpar o caminho para a construção do governo militar e de seu projeto de sociedade.

Porém, boa parte da sociedade não assiste passiva a esses eventos, mantendo permanentemente a crítica aos militares, que crescem com as constantes denúncias de violência e do uso de tortura. Em 1968 essa oposição atinge maior expressão e capacidade de pressionar aqueles que estavam no poder, o que provoca uma resposta ainda mais repressiva do Estado, corporificada no AI-5. A partir de então temos uma segunda leva de exilados. Conhecidos artistas são obrigados a sair do país, porImagem22APERJ apresentarem um posicionamento crítico em suas produções. Muitos integrantes de organizações clandestinas de resistência à ditadura fogem do país, conforme suas organizações eram desmanteladas pela repressão. Diversos presos políticos conseguem exilar-se a partir de ações armadas orquestradas por suas organizações.

Se a experiência do exílio afastou pessoas de seus entes queridos, desarticulou organizações políticas e projetos de vida, deixou em suspenso sonhos de um país transformado, em contrapartida, possibilitou condições para a denúncia do regime a nível internacional, o que ajudou a fragilizá-lo frente a opinião pública de diversos países, sobretudo na Europa, oportunizou a construção de redes de solidariedade, a criação de novos movimentos sociais e políticos, a rearticulação da resistência desde o exterior.

1373998694418_abaixo_a_ditaduraDe forma aproximada, foram cerca de 5.000 brasileiros exilados durante a “longa noite” iniciada em abril de 64, que durou cerca de 21 anos. A luta pela anistia seguiu durante anos no Brasil, sustentada por diversas organizações de direitos humanos e defensoras da retomada da democracia. Contudo, em 1979 o governo militar implementa um projeto de Anistia que desconsiderava as diferenças fundamentais existentes entre perseguidos e perseguidores, buscando com isso criar condições para o lento processo de abertura política. Por essa Anistia, que segue em vigor até hoje, são igualados aqueles que utilizaram indiscriminadamente diversos mecanismos de repressão e controle, sustentados pelo Estado, e os militantes, que com organizações precárias buscaram resistir ao arbítrio. Assim, enquanto a maioria destes últimos voltavam ao país, o próprio regime em distensão e a elite política e econômica por ele representada buscou construir um discurso e uma prática de se esquecer o passado.

Hoje nós dizemos: não esqueceremos! Lutamos contra o esquecimento, questionamos a Lei de Anistia, que segue nos impedindo de punir aos torturadores, e reafirmamos que a necessidade de memória, verdade e justiça, para que nunca mais aconteça.

Trabalhe com seus estudantes! Os Anos de Chumbo da Ditadura e a Luta Armada no Rio Grande do Sul

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Proposta de Atividade

Proposta de Atividade

Começaram, nesse mês de maio, as publicações do Projeto APERS? Presente, professor! – Propostas Pedagógicas a partir de fontes primárias do Arquivo Público do RS. A primeira proposta está inserida dentro do eixo temático A Resistência à Ditadura Civil-militar – das fontes arquivísticas para a sala de aula, 50 anos depois e recebeu o nome de Os anos de chumbo da Ditadura e a Luta Armada no Rio Grande do Sul. Ela propõe uma problematização acerca das ações armada e da repressão estatal levada acabo no Rio Grande do Sul. Para construí- la a equipe do projeto utilizou como fonte um processo de indenização de um ex-preso político do período. Acesse aqui o arquivo da proposta.

Caso o professor tenha interesse em acessar uma cópia na íntegra do fonte utilizada na construção da proposta, clique aqui.

O Arquivo deseja um bom trabalho professora e professor!

Pelos muros da ditadura, Ações de resistência.

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abaixo_a_ditadura57665Nesta semana nos propomos a falar sobre as organizações clandestinas e estratégias de resistência durante a Ditadura. Pensando nisso trazemos alguns aspectos das ações empreendidas por essas organizações.

Como anteriormente vimos em outras postagens, a repressão era ferrenha contra as manifestações da esquerda. Para os que tinham dinheiro ou eram financiados por suas organizações uma opção foi o refúgio em países com mais liberdade. Mas a resistência foi a opção de muitos militantes de várias organizações que na clandestinidade permaneceram no Brasil com o objetivo de combater os militares e avançar o processo revolucionário, ou mesmo se protegerem da repressão. Esta era a orientação política de muitas organizações de esquerda.

Em documento do PCdoB,’ intitulado: “União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista”, datado de junho de 1966, por exemplo, seus dirigentes, ainda que considerassem que a luta aberta contra a ditadura era possível, não descartavam o uso da luta clandestina:

(…) Apesar do regime autoritário que impera no país, ainda há condições de utilizar comícios, greves, marchas contra a carestia, assembleias sindicais, paralisações parciais de trabalho têm sido usados pelos estudantes, trabalhadores e donas-de-casa
(…) É preciso utilizar também as formas de luta clandestina, tais como distribuição de volantes, pinturas murais, comícios-relâmpagos
 

Uma das formas utilizadas por esses militantes era a pintura em muros, conhecida como pichação, esta ação atacava muito mais do que o patrimônio público ou privado, atacava diretamente as diretrizes do governo de censura e controle social. Essas ações deixavam em evidência a resistência desses indivíduos a ditadura. Ao longo do período militar, as pichações foram consideradas atividades ilegais e subversivas. A pichação é crime de ação popular, definido no Código de Urbanismo e Obras (Lei 7427/61).

A intenção desta postagem era mostrar que os descontentes com a ditadura não ficaram calados, quietos, inertes e passivos frente a repressão. Utilizavam de várias formas de protesto : jornais, legais e ilegais, distribuição de panfletos, músicas, assim como a realização de passeatas e pichações em espaços públicos. A pichação era uma escrita da cidade, um bom meio de comunicação informal. As representações dessas manifestações incutiam significativamente na população, mobilizando as massas a aderir e/ou apoiar a militância contra a ditadura.

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